quinta-feira, julho 22, 2004

Ciência x Religião: o debate sobre os valores

Ciência x Religião: o debate sobre os valores

Atualmente se quer acabar com a religião tendo em vista uma vida mais livre, mais crítica, menos 'moralista', menos dogmática, menos calcada em princípios de fé e mais de acordo com o discurso científico. O problema é que a ciência não gera valores morais, valores cognitivos tudo bem, mas a ciência não tem nada a dizer sobre o tipo de vida ideal que se deve ter. Como devemos nos relacionar com as pessoas? Será que a resposta para esse tipo de questão pode ser encontrada num manual de biologia, física, química? Parece claro que não. A ciência está preocupada em explicar, prever, auto-questionar-se, não está preocupada em fundamentar um princípio como por exemplo: 'devemos amar o próximo como a nós mesmos' ou então a regra de ouro: 'só faça ao outro aquilo que você gostaria que fosse feito a si próprio', não querendo entrar na validade desse tipo de afirmação ética, só quero mostrar que a ciência não se relaciona com isso.
É estranho quando chamamos um profissional da biologia para falar de sexualidade, ou então um médico, ou profissional de áreas da saúde (técnicas ou científicas), porque a sexualidade nada tem a ver com o discurso biológico. Ficar sabendo que se pode pegar doenças sexualmente transmissíveis por fazer tal ou tal coisa (sexo anal, oral, ou sei lá o quê), saber sobre os métodos contra-aceptivos, o que isso tem a ver com a sexualidade? Com a maneira que as pessoas pensam o outro, com a maneira que as pessoas pensam o outro e a si mesmas no ato sexual, qual a significação do ato sexual para as pessoas, como deveríamos fazer sexo de uma maneira que nos tornasse mais felizes, mais realizados - esse tipo de objetivo uma ciência nunca teria como explicar. A ciência diz: se você fizer tal coisa, previna-se, pois poderás pegar uma doença; mas a ciência não está preocupada com o tipo de sexo que vá se fazer, ou que sentido que se poderá ou deverá dar para esse gesto. A proposição passa a ser a seguinte: 'o sexo gera prazer, se você prevenir-se, poderá desfrutar sem problemas desse prazer", só isso.
A religião entra aí para dar um significado para além do animal, porque considera o ser humano algo que não somente relações de estímulos biológicos primários. As religiões querem um ser humano mais pleno, filho de deus. Como atualmente a maioria das pessoas não está com paciência pra isso, nem ligam mais pra esse tipo de discurso. Um discurso que tente dar outro sentido que não o prazer primário que as pessoas têm no sexo é um discurso considerado moralizante, ofensivo, retrógrado. O problema é que muitas pessoas também não querem ser tratadas como objetos de prazer 'apenas', querem ser algo a mais, querem dar para certas relações humanas um sentido 'maior', que as faça felizes, as realize. Esse âmbito é o das religiões, das éticas, o âmbito do sentido.
Já vimos então que os valores morais não podem ser deduzidos das ciências, nem naturais, nem humanas. A menos que alguém creia que existe um tipo de sexualidade ideal que a psicologia, a biologia, antropologia, podem pregar. Ser religioso é motivo de chacota pra grande parte das pessoas, parece um momento atrasado da história humana, uma época mitológica em que o dogma valia mais do que a razão. Esse tipo de afirmação crê que haja um progresso na história, que a razão seja algo absoluto, um valor que se imponha para além da história (haja fé nessa razão hein), da vontade dos povos, de qualquer coisa humana. Essa razão parece uma coisa voadora que está por aí fundamentada em si mesma por todos os tempos - não quero me ater a isso.
Por que não devemos matar as pessoas, ou porque não devemos mentir, porque não devemos fazer o mal às pessoas, o que é que fundamenta esse tipo de afirmação? É necessário uma explicação desses princípios para que eles façam sentido, para que possamos sentir a partir deles. Esse tipo de verdade orienta nossa vida quotidiana e nada tem a ver com a ciência. Grande parte das pessoas nem se preocupa em fundar bem esses princípios. A economia, o modo de vida, parece que impõe um tipo de moral que devemos viver. "O que devemos fazer para ser bem sucedidos na vida, felizes, alegres?" quando surge esse tipo de pergunta, ao invés de vir um padre dizer uma passagem bíblica, vem um motivador, guru da auto-ajuda e dita a verdade de acordo com o tal sucesso que ele alcançou (sucesso aqui entendido como conseguir obter grande quantidade de bens de consumo, dinheiro e por conseguinte maior felicidade, liberdade, justiça...), poderia dizer: 'mostre interesse nas pessoas com quem você fala, pois isso te garantirá frente a essa pessoa maior confinça, grau de amizade'. A sociedade que não queria ser religiosa para não ser atrasada, toma esses princípios como dogmas de fé com o mesmo objetivo religioso - dar sentido. Deus na moral atual é algo que serve para relaxar, sentir-se em paz consigo mesmo, e se produzir mais, mais eficientemente.
Não quero discutir deus, nem os gurus de auto-ajuda, nem as religiões. Quero apenas que fique claro que a ciência não diz o que é bom, mau, ou como se deve viver. Apesar de que as pessoas frequentemente apelam para o discurso científico para explicar as relações humanas. Isso é negar totalmente a liberdade humana, pois se se pretende dizer como deve-se viver a partir de uma explicação científica do mundo, o que a ciência disser que é a verdade nos tempos atuais, será aquilo que devemos viver na vida quotidiana. Mas como vamos derivar princípios éticos da física, química, biologia? Se na física tudo é relativo, nas relações humanas também, essa é a verdade que nos fará felizes? haha. Se evoluímos de um jeito e não de outro e somos constituídos de tais e tais substância, logo o quê? O que faremos? E que ciência deveríamos apoiar nossos juízos morais? Como vamos fazer isso, alguém me explica? E se um princípio da mecânica quântica for contraditório com um princípio da química, a qual daremos maior valor na hora de formular um princípio ético? Tá, chega de piadas.
A maioria das pessoas está contente por abandonar as religiões, por sentir que estamos progredindo, só que essa crença, já pressupõe algo que não é científico, por exemplo, que a vida tenha um fim maior, que a ciência vá dizer um dia a verdade total sobre o mundo, que a história seja um suceder de progressos humanos; esses princípios são de uma fé secular, quem quer ser somente racional não poderia ater-se a isso. E com que comprovação poderíamos talvez dizer que as verdades da física, química, biologia, poderiam valer para a vida dos homens? Isso poderia ser racionalmente demonstrável? Provavelmente não. É engraçado em certas palestras de 'intelectuais', quando querem mostrar conhecimento, eles apelam para verdades da ciência (de uma das ciências).
A vantagem de quem é religioso é que ao crer numa verdade religiosa se tem princípios claramente deduzidos dos livros sagrados, das práticas dos fundadores, da fé. Isso é algo que nenhuma ciência poderá dar. O que na contemporaneidade se tenta fazer é formular princípios éticos não religiosos de convivência entre os homens. Princípios que sejam válidos para quem seja ou não religioso e que se fundem em valores aceitos socialmente pela grande maioria: de que a vida é um valor, de que todos são iguais, de que ninguém deve passar fome, de que ninguém deve impor algo a outrem... e por aí vai. Mas isso não significa progredir, creio eu, é só uma maneira diferente de formular princípios.

1 Comments:

At domingo, fevereiro 25, 2007 7:01:00 PM, Anonymous Anônimo said...

Concordo em parte. A esmagadora maioria da população mundial se diz espiritualizada de alguma maneira, no sentido religioso da palavra, e o que nós vemos por aí é justamente a falta de valores morais. Definitivamente religião não implica valores morais e vice-versa.
Valores morais, ou você tem ou você não tem. Está muito mais ligado a dicotomia do bem e do mau.

 

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