terça-feira, dezembro 12, 2006

A essência dos gostos

Sempre me preocupei demais com aquelas brincadeiras de infância e adolescência em que as crianças exigiam uma coerência por parte dos seus coleguinhas ou amiguinhos quanto aos seus gostos. Ou seja, se alguém diz que gosta de algo, principalmente alguma banda, grupo, artistas, então essa pessoa tem que saber absolutamente tudo sobre isso! Tem que ser um fã fanático, conhecer os albuns, CDs, discos, ter lido a bibliografia, saber tudo que se passa com o objeto do gosto. Viver em função dele. E obviamente censurar todos aqueles que dizem gostar, mas não sabem todo o esforço, sofrimento que é gostar "realmente" de algo! Se alguém diz que gosta, mas só ouviu 10 música, ou menos que isso. E ainda assim só ouviu os hits mais pops, pronto! Essa pessoa não é digna de dizer que gosta! Quem é ela para afirmar uma tal coisa? O gosto dela não é autêntico, genuíno, ela só gosta por moda! Eu, ao contrário (muito ao contrário!), gosto porque ... Por que mesmo? Humm... Tá bom, gosto porque gosto e sei lá porque motivo comecei a gostar, só sei que gosto e agora sou coerente com o meu gosto. Obviamente que o gosto só é considerado como válido se ele não nascer por motivos de: 1) influências, 2) modismos, etc. Tem que ser algo quase divino. Mais importante ainda é ter como provar isso, pode ser contando a história do primeiro contato com o objeto do gosto (e do gozo).

Incrível que isso não é apenas uma brincadeira, é quase uma doença. Vive-se pedindo coerência dos gostos que se tem. Se alguém gosta de leitura e não lê muito, acha-se estranho que isso ocorra. Se alguém diz gostar de música, mas não procura sempre se informar mais sobre isso, aprofundar-se no gosto, então vem a questão: mas gosta mesmo? Engraçado que os adolescentes mesmo não procuram levar até as últimas conseqüências esse tipo de exigência. Mas então por que fazem isso? Que querem com essa estrutura de raciocínio?

Vejo pessoas tão obstinadas por assistirem aulas em cursos universitários: "eu não posso perder a aula, onde é a sala, qual é o texto???". A pessoa não lê o que se pede, não estuda conforme o exigido, mas não quer largar o curso. Quer ir até o fim. Mas, então, será que gosta mesmo? O que faz com que uma pessoa insista por entrar num curso universitário às vezes por duas, três, quatro vezes, e quando entre ainda assim não se dedique, não leia, seja extremamente desleixado com os estudos, não procure ler por conta própria para entender melhor os assuntos, ou mesmo só pelo prazer que a leitura propicia. Afinal, será que gosta mesmo? Faz sentido essa pergunta? Até que ponto ela faz sentido e até que ponto não faz? Um professor certa vez me disse que não faz sentido ficar pedindo uma coerência absurda em relação aquilo que se gosta, também não faz sentido dizer que se gosta de algo, mas passar o tempo inteiro sofrendo e não ter nenhum prazer com aquilo. E prazer, não digo, de retorno posterior, mas sim de prazer por estar fazendo aquilo, por estar gostando de fazer aquele tipo de coisa. Obviamente que outros prazeres daí advêm: prazer de conseguir um emprego devido ao curso, prazer por se sentir mais inteligente em relação aos conhecimentos que se tinha anteriormente, etc. Então nem tanto ao céu, nem tanto ao mar. Ok, mais um clichê que não explica porra nenhuma.

Então como ficamos? Como funciona isso?

Devemos arriscar, então. Mas precisamos ao menos saber minimamente do que gostamos e investir nisso? Talvez a questão seja que não se precisa ter uma coerência forte em relação aos gostos, uma disciplina absurda em relação a isso, mas certa disciplina é preciso ter. E não sei se gostar minimamente ajuda, porque se gosta minimamente de um milhão de coisas. Então se poderia fazer tudo? Se poderia arriscar, sim. Ir tentando. Fazendo o que é possível fazer. Mas certas estruturas mentais parecem estar montadas em pessoas doentes como eu que querem a todo momento o mais profundo, o mais sério, o mais rigoroso. Não agüento isso. Nunca vou agüentar e não sei se um dia aprenderei a lidar com isso.