segunda-feira, junho 16, 2003

Sistema: comentário sobre o filme John Q e a raiva produzida a partir da reflexao desse...

Ao ver esse filme ontem dia 14 de julho de 2003, senti muito ódio, um sentimento de impotência, uma vontade de fugir pro mato, uma vontade imensa de fazer algo e mandar esse conformismo, em que eu vivo todos os dias, pro inferno e realmente fazer algo da minha vida, algo sério que realmente afirme a liberdade que eu tenho, e que não seja somente um sentimento de liberdade pra poder fazer o que eu quiser sem que os outros interferiram nisso, aliás, gostaria que por favor os outros interferissem na minha liberdade...

O filme pode levar a uma interpretação do tipo: “nossa fiquei com raiva da diretora do hospital”, ou, “como o chefe de polícia é malvado”, ainda, “que legal a solidariedade das pessoas com relação ao John”. Acho que nem quem produziu o filme sabia o que estava fazendo, não quer dizer que um cretino como eu saiba interpretar o filme de forma plena, é apenas uma interpretação, mas que pra mim foi profunda. Sentir que eu vivo a minha vida, achando que sou independente do sistema, da educação, do hospital, da polícia, ou de outras instituições do governo, tudo bem que no filme o hospital fosse particular (porque o público nem condições de transplante teria), realmente só me afeto com essas coisas quando interferem na minha vida: greve, hospital em reformas, alguém se acidentou então preciso pensar no meu seguro médico, entre outras situações que acontecem sem esperarmos. Parece que é nesse momento que pensamentos como a política, o sistema, viver em um sistema capitalista pode ser cruel com a nossa vida, pensamos que é bom ser capitalista, afinal pode-se enriquecer, quem paga vive bem, então quero logo ficar rico pra ser livre, afinal o sistema me possibilita isso, a mim que não sou um vagabundo com esses outros que não lutam pra adquirir as coisas, todos esses pensamentos são ótimos, assim estabelecemos nossas relações, visando ao máximo o interesse nas relações, pensando sempre no dinheiro que certas situações podem envolver, e em que medida posso usar da minha amizade, casamento, parentesco, para conseguir “me dar bem na vida”.

Sim é ótimo ser capitalista e ver como no filme como as coisas estão entrelaçadas e que por mais que você tente fazer algo, tente encontrar culpados, eles desapareceram, o sistema é o culpado, mas quem é o sistema? As pessoas não adoram viver no sistema capitalista? Afinal só nele supostamente elas podem ser livres, sendo ricas tudo dá certo, então é só buscar isso, bom mas seria estranho num país de 170 milhões de habitantes como o meu todos serem ricos, será que é possível? Igualdade de oportunidades para cada individuo e sua família? É esse o sonho estadunidense que todos vivemos? É pra isso que fazemos universidade, arranjamos amigos, colegas, para isso que somos simpáticos com os outros, somos “caridosos” para com o próximo, para isso que “ajudamos” os pobres, a igreja, ou o diabo? Achamos bom o interesse prevalecer em todas as nossas relações, achamos bom poder se aproveitar dos outros o máximo pra enfim enriquecer e poder desfrutar de tudo que é bom e que me foi prometido, em busca desse sonho vivemos todos nós capitalistas, aprendemos desde pequeno isso, fazer as coisas de graça é coisa de idiota, gostamos de ganhar mesada dos pais, cobrar por servicinhos feitos aos pais, amigos, parentes, e vamos levando as coisas tudo numa boa, “felizes” e alegres. Achamos bom também ter que pagar e ainda não receber benefícios do Estado com relação a educação, saúde, previdência, segurança, trabalho, achamos que pra isso vale a lei do mais forte: “quem tem que aproveite, quem não tem que vá arranjar algum meio de conseguir”, em nome disso se mata, se faz de tudo, se usa dos outros pra atingir os objetivos, em nome do “lugar ao sol” tão desejado, vamos vivendo achando tudo isso ótimo.

Ao ver no filme as pessoas atacando a policia, protestando contra, pensava eu “meu deus esses ignorantes acham que o problema é com o chefe de policia? Ou com o tenente?”; como se os órgãos tivessem total autonomia para agir e tomar qualquer tipo de decisão que lhes passasse pela cabeça, como se a diretora do hospital (nem é a dona, apenas diretora) tivesse autonomia para ser “boazinha”, ah meu deus que isso porra, que ingenuidade é essa, será que o diretor do filme também não pensava que o problema pode ser extremamente profundo e que mata e educa todos de tal forma a não ver outra coisa? Esse é o exemplo do país capitalista: “deixe que o capital mande e decida quem deve ou quem não deve ter educação, saúde, segurança, o capital manda”, todos odeiam outro tipo de sistema, amam o capitalismo, estão fanáticos por esse sistema e agora quem vai faze-los mudar de idéia, eu? Nem tenho tanta pretensão assim, tenho a pretensão de eu mudar de idéia, e estou cansado de viver nisso, nesse tipo de relações, esperando isso dos meus amigos, família, até de mim mesmo: “não estou sendo produtivo nesse momento, não estou sendo útil, não estou rendendo nada, poxa Daniel tempo é dinheiro, corra ou ficará sem carro, casa, mulher, abra o olho garoto, criticar o sistema vai te deixar sem um tostão...” Fico olhando essa teia demoníaca, perversa que vivemos e porra me causa muita raiva e indignação, mas isso não basta é necessário outra atitude, eu sinto que a cultura destrói o que pra mim é sagrado, e penso como um modelo desgraçado econômico pode fazer isso com a minha vida? Pode me educar dessa maneira, e não de outra, por que não sou livre pra sentir diferente, manter relações sinceras, por que isso me foi negado na educação, no convívio entre as pessoas, por que?

Eu não quero competir com ninguém, quero que todos tenham as mesmas oportunidades e que se possível as pessoas se organizem pra adquirir aquilo que elas querem adquirir mas sem deixar de perceber que ninguém vive isolado, sem perceber a teia em que se vive, e que apesar da ilusão de achar-mos que uma decisão que tomamos não implica outra, acaba implicando sim, é sentir como a influencia da cultura é sutil na nossas vidas e ficamos conformados com essa merda, esse lixo, essa porra de vida horrorosa que aceitamos viver numa boa, rindo de tudo, achando tudo uma grande beleza, está tudo perfeitamente excelente, está tudo correndo bem, quem sabe a culpa seja do Lulinha... Engraçado todos nós escolhemos isso, viver assim, escolhemos mesmo que de forma negativa, mesmo que inconscientes de nossa escolha, estamos apenas sentindo na pele apenas os reflexos da nossa escolha, toda escolha implica responsabilidade, então pare de se queixar que “hoje em dia ninguém mais fala com ninguém, ninguém mais se ama de verdade, que hoje em dia tudo é interesse, que hoje em dia quem tem vai bem, quem não tem que se foda”, ou se aceita essa situação e cala-se o bico ou faz-se alguma coisa de bico calado também !!!!!