segunda-feira, agosto 25, 2003

Já disse que é difícil pensar onde ninguém quer pensar... BRAZIL X FILOSOFIA

Não vou mais usar termos "técnicos" como pragmatismo para explicar aquilo que me angustia. Começo esse texto expressando a minha profunda raiva com toda essa cultura, as pessoas, as idéias, a vida que se leva, é difícil procurar pensar onde "não se precisa disso", ou se tem aversão a esse tipo de coisa.

Vivemos no Brazil, país do futebol, carnaval, dos jeitinhos, do cristianismo, da corrupação em todos os níveis e em todas as camadas sociais, país do óbvio. A obviedade impera. Por exemplo, se você convidar alguém pra discutir sobre alguma idéia, conceito, sentidos e fundametos de sua existência você pode ser considerado louco, maconheiro, ou algo do tipo, mas se você quiser discutir para qual boate você irá na sexta, que tinta usará para pintar seu cabelo, que roupa irá colocar para sair na rua, ai sim você pode ser considerado(a) um grande pensador(a).

Se você criar um programa de televisão pra discutir sobre relacionamentos amorosos, discutir sobre a homossexualidade, sobre a política, sobre a ética, religião, você pode obter sucesso se souber como levar o público, siga os passos: 1) nunca discuta conceitos; 2) não faça perguntas que façam o público alvo pensar sobre suas crenças (que já seriam os conceitos); 3) busque ao máximo associar o que a pessoa fala a vida dela; 4) procure sempre saber mais detalhes, fofocas, sobre a vida dos debatedores, ou a opinião deles, do que ir a fundo e discutir, novamente, conceitos.

Você no Brazil pode ser chamado de louco por pensar em coisas "profundas", questões que dizem respeito ao seu viver. Presume-se que, já que a humanidade adora ressaltar sua superioridade com relação aos outros animais, ela ao menos saiba como fazer uso dessa tal racionalidade (do ato de pensar que todos afirmam que pensam e não são "alienados"), mas por incrivel que pareça isso não ocorre, prefere-se discutir sobre: o que iremos comer amanhã, para onde iremos, que música ouviremos, que canal assistiremos agora, que coisa compraremos; estranho que os produtos causem crises existenciais nas pessoas, ou seja, deixem elas confusas sobre o seu viver, ou sobre o "fundamento" de suas existências: "nossa aquele batom colocou meu sentido pra vida em xeque ou cheque".

Fazendo uma analogia: é como se o leão recebesse de presente dos deuses lioninos algo chamado "razão" e que essa o elevasse acima dos outros animais, e ao receber esse presente divino ele usasse desse apenas para se tornar consciente do que faz: "puxa o que irei comer amanhã uma gazela ou uma cabra, acho que está na hora de mudar de caverna, essa não está na moda, que leoa comerei amanhã, que gostoso que tá, ficar aqui no sol, delícia, oh meu deus acabaram-se as galinhas e eu estava com tanta vontade de comer galinha..."

Esse é o ser humano moderno, inteligente, que somente tem tempo pra pensar como o senhor leão acima. Isso sim não é coisa de louco, afinal a isso podemos chegar numa conclusão rápida e fácil. Engraçado que chamem os filósofos de vagabundos e maconheiros, porque são os únicos que se dedicam com rigor a procurar responder sobre as questões mais fundamentais da vida, são esses vagabundos e malucos que procuram ir atrás dos conceitos pra fazer análises decentes sobre a realidade. Não percam de vista o raciocínio, maluco é todo aquele que procura pensar em algo além das coisas que têm de ser feitas ou escolhidas no quotiano, "não seja louco, não tem sentido discutir essas coisas que ninguém chega a uma definição", alguém deveria ter dito isso pra Sócrates, Platão, Aristóteles, pros pensadores da Idade Média, deviam ter dito isso pra aqueles vagabundos e idiotas que fundamentaram toda a ciência moderna, muito disso deve-se aos vagabundos dos céticos que ficavam questionando tudo, pros retardados empiristas como David Hume, pros enciclopedistas (não esqueçam de procurar o termo na barsa)...

As discussões sobre o quotiano, a cor da camisetinha, da calça, isso sim nos levou longe, e fez com que desenvolvessemos mais a racionalidade, a ciência, talvez devessemos ter ficado lá nas cavernas discutindo sobre que mulher iríamos comer amanha, ou quem espancaríamos, somos os animais das cavernas vestidos de ternos falando em sucesso e procurando discutir sobre a essência da mostarda, ou as relaçoes entre os pedaços de sangue que saem da vagina e o ser.

Não que eu não ache as questões relativas ao quotidana necessárias, sim, somente isso, necessárias, são da ordem do que tem que ser feito, escolhido, é apenas isso, nada além disso, você precisa se alimentar, tudo bem, alimente-se, mas isso não te coloca o problema relativo por exemplo a questão da morte, algo que parece ser muito interessante ao próprio ser humano. Escolher uma camisa, sim é bonito, mas deu, é apenas isso, senão quanto mais produtos no mundo, mais opçoes, maiores serão as nossas preocupações com as coisas necessárias a administração da vida singular de cada um, do que preocupar-se com o motor que realmente move essa vida, aquilo que orienta suas escolhas, que está por trás das escolhas dos objetivos da vida.

O pior é não ter escolha, os amigos estão orientados em grande número a esse tipo de discussão, os filmes também, as músicas, os bate papos que vemos pela rua, então você e eu estamos presos, sufocados, atolados com uma porção de preocupações que só nos colocam cada vez mais em contato com o mundo dos objetos, das bugigangas, das fofocas, parece tão pouco, para alguém que recebeu uma razão, acho que os gregos, romanos, medievais, as correntes filósoficas em geral sentiriam vergonha de nós: "Foi pra isso que nós nos matamos a pensar e discutir? Pra sermos chamados de idiotas, maconheiros, loucos? Pra isso que dedicamos a vida a Verdade? Tudo bem então, mas ao menos tivemos o prazer de conviver entre pessoas que também discutiam sobre essas questões fundamentais e levavam muito a sério o ato de refletir, e agora estamos aqui no Hades ou Paraíso a rir de vós espíritos cretinos".

Não quero passar por cima de nossa cruel situação brasiliana, tudo bem temos coisas importantes a resolver, problemas a administrar, então admitamos de uma vez que aqui não é lugar pra pensadores e que precisamos de técnicos especializados em resolver problemas e chamemos isso de política e pronto. Depois que boa parte dos problemas de ordem mais grave estiverem sanados aí sim readmita-se filosofia nas nossas academias, senão estaremos gastando dinheiro a toa. Eu me proponho a me candidatar como vereador e lutar para a destruição de cursos que não contribuam para o bom funcionamento e administração dos problemas sociais, vou expurgar a filosofia dos meios acadêmicos, porque esse curso só proporciona a sociedade pessoas vagabundas e ainda por cima chatas e que acabarão desempregadas, não tem sentido haver um curso que tenha como objetivo piorar as coisas, é como se existisse um curso para ser mendigo, "eu sou um mendigo doutor, estou abrindo um curso de verão como ser vagabundo e maconheiro usando do dinheiro público".