sexta-feira, setembro 12, 2003

Tolerar o que ?

Sobre a tolerância:

Primeiro lugar tolerar o que? Alguém vai discutir pressupondo que a verdade está em todo lugar e que a sua verdade é apenas mais uma? Isso já de início é um erro lógico, porque não existem "verdades", a verdade só pode ser uma e o resto seriam falsidades. Quando se discute com outra pessoa é porque se acredita realmente estar com a verdade e que o outro não está com ela e então por meio de argumentos se tenta refutar a visão de mundo, conceitos alheios. É estranho que às vezes se passa horas discutindo, se refuta a tese de outra pessoa e essa acaba não mudando seus conceitos nem a sua visão de mundo, essa pessoa deve ser maluca, porque se estão discutindo é pra colocar em jogo uam certa visão de mundo, é algo sério, não é apenas mera emissão de símbolos linguisticos.

Dá uma certa impressão que a conversa é sinônimo de não produção, de nada, parece que discutir ou não discutir dá no mesmo, já que o importante é ser tolerante, então dizemos: "você tem a sua verdade e eu tenho a minha", falso, alguém tem a verdade e outro não a tem, é como um cristão aceitar um budista, são coisas diferentes, portanto o cristão diz que no budismo existem sementes do verbo, procura achar algo bíblico numa tradiçao diferente da dele, mas isso é muito forçado, não creio muito nisso e aliás qual a intenção que está por trás dessa vontade de sincretismo religioso, misturar as religiões a troco de que? Isso acaba fundindo as culturas e tirando a identidade de uma certa nação. Esse processo globalizatório é estranho porque prega uma fusão de mercados, culturas, visões de mundo... nessa onda ficamos totalmente perdidos, por não conservar nada e tentar aceitar tudo.

Dizem por ai: "acredite naquilo que te faz bem", bom mas se algo me faz bem e não faz a outrem? Isso é um problema, reformulemos então: "faça o que te faz bem sem causar um mal a outrem", ai então teremos que analisar quais as consequências das nossas escolhas, o que implica na vida dos outros eu pensar de uma forma ou de outra, ter um tipo de ação e não outra, será que é possível ter-se controle sobre as consequências de nossas ações no mundo? Ou então, eu penso esse "não fazer mal a outrem" como simplesmente em carater direto, por exemplo, tudo bem que uma escolha minha não mate diretamente alguém, mas se matar a longo prazo, ou por vias indiretas então não há problema? Acredito que seja complexo demais a relação entre indivíduo e sociedade, porque parece que só por convivermos entre os outros já estamos implicando algo na vida dos outros. Como avaliar se nossas influências nos outros são de carater bom ou mal?

Dizem que "tudo é relativo e que não se pode generalizar nada", talvez em nivel sub-atomico as coisas pareçam até o presente momento como relativas, mas será que em questões morais funciona assim? Devo ou não matar outra pessoa? É relativo, devo ou não despedir os funcionários de minha empresa? É relativo (pressupondo que a demissão de outras pessoas não é apenas uma ação de carater economico, mas sim de carater moral também), devo ou não amar aos outros? É relativo, devo ou não procurar ser honesto? É relativo, devo procurar ser sincero e justo nas minhas relações tanto interpessoais quanto com relação ao Estado e outras instituições (não quero dizer que o Estado exista sem as pessoas, mas o nivel de relacionamento pode ser tomado como diferente, bom essa discussão não é a principal aqui), é relativo, acho que não é relativo não. A lei por exemplo não é relativa, ela generaliza e pronto, as religiões não são relativas, elas universalizam, os sistemas filosóficos não são relativos, são explicações universais sobre conceitos, ser humano; a ciência não é relativa, a matemática não é relativa.

O que eu entendo que exista nesses comentários sobre a relatividade dos juízos seja uma tentativa de critica a analises psicologicas universalizantes, tudo bem, concordo em certos pontos, mas vejam que cada vez mais aparecem livros de auto-ajuda querendo fornecer uma espécie de comportamento universal, uma visão de mundo universal, e os julgamentos e opiniões que emitem escritores desses tais livros consideram que quando falam do homem estão falando do Homem, sim o mesmo que os filósofos falam, mas tratam esse Homem por argumentos falaciosos e grosseiros, diria até ofensivos, algo como dizer "o homem de hoje é insensivel por natureza, não respeita a mulher e só quer essa pra conseguir prazer sexual", "a mulher de hoje não pensa racionalmente, somente emocionalmente", "o homem é por natureza ganancioso", que tipo de análise racional está sendo empregada nesse tipo de premissa? Se aparecer algo que não corresponda a essas caracteristicas não seria homem? Ah, poderia se fugir chamando as famosas excessões, quer dizer, querem fazer ciência das relações humanas, porque a ciência é que tenta descrever as coisas universalizando e se algo não se adequa, mas partence a categoria encaixa-se como excessão. A excessão em termos de ciência é muito questionada pelos pensadores, agora com relação a livros e auto-ajuda e outros (novelas, argumentações não-reflexivas, etc) não faço idéia como se livrar do problema, matematizar a vida, as relações humanas, nunca me chamou muito a atenção, tem certas pesquisas que visam dar esse carater matemático e esse tipo de analise: 76,5% dos homens só querem sexo e 90% das mulheres estão numa relaçao porque amam realmente; por favor como alguém permite esse tipo de experimento? Essa tolerância está indo longe demais.

Concluo que há Verdade somente se for universal, tolerância apenas na hora de argumentar, e acredito que se depois de debater conceitos e visões de mundo e ser refutado, aquele que não muda suas construções conceituais é que está sendo intolerante, ou ignorante, irracional diria, ou apele para um tipo de crença que não utilize-se do mesmo tipo de argumentos, pra se discutir é necessário que os argumentos sejam aceitos pelos debatedores, talvez seja esse o problema que ocorre frequentemente, o método, não sei se alguém está muito disposto a repensar aquilo que crê, pra mim faz diferença agora pra outro já não sei. Entristece é passar horas conversando, debatendo, para no final da argumentação a pessoa mesmo sendo refutada continuar com a mesma visão de mundo, algo há de errado ai, seria importante uma reflexão até de carater psicologico: "em que sentido isso que eu acredito é necessário pro meu viver".

Tolerância não significa aceitar tudo que aparece de todo lado, acreditando que em tudo haja "verdades", não, penso que tolerancia seja ter uma Verdade bem construida, que faça sentido, e a partir dai poder colocar em debate com o objetivo de aprimorar, polir, enfim de formar uma visão de mundo e ter conceitos bem definidos, acredito que isso seja uma atividade para vida toda. Não quero pregar uma globalização racionalizante, um pensamento único, mas que ao menos se pontue bem as diferenças, mesmo assim é necessário uma Verdade, princípios universais de convivência, senão ficamos a mercê da consciencia de cada um com relação aos efeitos em cadeia das suas escolhas. Precisamos rediscutir nossos principios, leis, visões de mundo, para saber que país que queremos.