sábado, julho 03, 2004

Filosofia e Ação

Filosofia e agir no mundo, possível?
a critica dos fundamentos parece descabida

Uma coisa que me preocupa profundamente é quando se começa a discursar a partir de verdades pré prontas, parece que já sabemos o que é certo e o que é errado e que então nos bastaria viver esse certo e esse errado para sermos felizes. Esse discurso me faz mal, porque eu não sei mais o que é certo, errado, felicidade, sentido pra vida, etc. Essas questões são pressupostas no nosso dia a dia: 'como devo me relacionar com as pessoas, como devo me posicionar sobre tal ou qual questão política, como devo pensar esse tipo de técnica que mata milhões mas que ao mesmo tempo possibilita todo luxo e conforto de nossa sociedade, como devo viver, o que devo consumir, que sentido dar pra minha vida, ou ela não precisa de um sentido?' Quer dizer, essas respostas são todas claras no nosso quotidiano, na nossa maneira de sentir e viver, porque mesmo que nunca elaboremos uma teoria sobre cada uma dessas coisas, nossos corpos já foram acostumados a sentir a partir de verdades que são dadas desde a infância (e aí podemos colocar em xeque a idéia de autonomia).

Bom, mas o meu ponto é: a filosofia trata de questionar o óbvio, os fundamentos, porém às vezes parece, diante do mundo que nós vemos, algo tão superfulo, bobo, ofensivo até, diante da realidade que nos é apresentada. Vou dar uma exemplo para ser mais claro: Semana passada fui numa palestra entitulada: 'apologia ao ócio como crítica da sociedade do trabalho', não quero aqui discutir essa tese, apenas um ponto. Quando o palestrante dizia: 'do ponto de vista do sentido pra vida, do prazer intrinseco a natureza humana (esse tipo de terminologia é caríssimo a filosofia, pois versa sobre fundamentos últimos) hoje se trabalha muito, se tem menos tempo, se aproveita menos a vida, fomos educados a trabalhar, se na antiguidade trabalhava-se para a subsistência, para depois se desfrutar a vida da maneira como bem aprouvesse a cada um, hoje trabalhamos muito, aprendemos a trabalhar e já não temos mais tantas possibilidades assim de desfrutar a vida'.

Na antiguidade trabalhava-se muito pouco, inclusive entre os gregos e romanos o trabalho era mal visto, feito somente por escravos, por isso a filosofia é tida hoje (para nós trabalhadores) como a arte dos vagabundos. Porque a filosofia era possível a partir do ócio dos homens livres. Na idade média se trabalha cerca de quatro horas, na renascença que a questão do trabalho começa a ficar problemática a partir do surgimento do protestantismo (sobre isso leia-se Max Weber - A Ética protestante e o espírito do capitalismo) que procurava ser um cristianismo mais puro, reinterpretando o Gênesis, principalmente a passagem que diz que agora que Adão e Eva comeram o fruto proibido teriam que viver com o fruto do seu suor e trabalho. Quer dizer, enquanto o cristianismo medieval era mais contemplativo, a renascença dá um jeito de por os homens pra trabalhar, mas não muito. Na Inglaterra antes da revolução industrial se trabalhava terça, quarta, quinta, e se folgava sexta, sábado, domingo e segunda feira (se não me falha a memória - qualquer informação mais precisa é bem vindo, ou ator que descorde). Então a vida era até tranquila, porém com o surgimento da maquinaria, a idéia da produção, o surgimento do capitalismo, o fim das relações por consaguinidade e o nivelamento pelo dinheiro das pessoas: Quer dizer, antigamente se tinha uma natureza humana: nobre, plebéia, burguesa, clerical; todos tinham seus papéis definidos, porém a partir da revolução francesa esse tipo de determinação começa a ser questionada, há maior mobilidade na escala social (por exemplo um burguês pode chegar a ser admirado porque tem dinheiro - idéia absurda até a época). Com a revolução industrial, então, vemos que os seres humanos aprendem a trabalhar, jornadas longas de trabalho, perda de sentido das ações por serem mecânicas, sentimento de angústia, época negra na Europa, o ser humano deixou sua espontaneidade natural de lado em nome do querer de alguns, não faz mais o que gosta, faz mais o que os outros querem que ele faça, do que o querer dele propriamente seja respeitado. Claro que toda sociedade, para ser sociedade necessita que os individuos mantenham um certo equilibrio entre vontade individual e social, porém quando qualquer desses pontos é suprimido, ocorrem problemas (isso é uma verdade metafísica - ou seja, que valha para sempre em todas as épocas?).

Não quero me perder no texto não (não quero aqui discutir a tese do trabalho, só fiz um resumo da palestra), quero somente dizer que, desse ponto de vista que estou colocando as coisas, o trabalho precisa necessariamente ser revisto, como somos democratas atualmente deveriamos convocar assembléias para se ver isso, para não vivermos numa oligarquia mascarada de democracia. Pela argumentação acima apresentada eu me convenço de que as relações de trabalho no sistema capitalista tornaram-se extremamente problemáticas, com um trabalho em função da produção, de manter um sistema econômico e não se importando muito com a vida das pessoas, mas vejam só quantas verdades eu assumo fazendo esse tipo de comentário, verdades fundamentais: 'de que: as pessoas teriam que buscar aquilo que elas gostam de fazer mais do que outros querem que elas façam', 'de que: trabalhar pra manter um sistema economico, manter uma produção independete dos seres humanos (se é que isso é possível) é pior que trabalhar para os seres humanos', 'de que a vida humana é um valor fundamental e que deve, a medida do possível, ser prolongada, aumentada (em termos de qualidade, se é que existem padrões) e que todos devam desfrutar de prazer porém que ao mesmo tempo consigam equilibrar vontades pessoais e sociais para vivermos em harmonia' - vejam só, a filosofia problematiza justamente esse tipo de coisa!!!! É incrível! desse ponto de vista a filosofia parece absurda! Problematizar se existiria de fato uma felicidade humana? Se a vida não poderia ser isso mesmo que temos hoje aí, senão, por que não? Do jeito como estou tentando apresentar, a filosofia pareceria mais um tipo de reflexão feita por burgueses filhos da puta que querem manter tudo como está, a proposição seria a seguinte: 'como não temos em que fundamentar a natureza humana, a felicidade dos homens, o prazer intrínseco de cada ser humano, um sentido pra vida que fosse coletivo, um modelo universal de homem que todos devem alcançar, um padrão universal de qualidade de vida, então não me venham impor essas babaquices de ócio, de prazer, de felicidade e deixem tudo como está' - Wittgenstein diz: A filosofia deixa tudo como está.

Esse é o ponto que mais me toca profundamente desde que eu comecei a entender a reflexão filosófica e não sei como sair disso, quando me dei de cara com esse tipo de reflexão, senti-me desmotivado para entrar em partidos políticos, defender verdades, qualquer coisa, tornei-me cético e cada dia mais indiferente. Eu sinto muita coisa como errada, mas meu instinto filosófico me diz que isso é só produto de uma cultura, educação cristã, e que não devo agir, pois os fundamentos da ação são duvidosos e questionáveis, o que fazer então? Apresentem-me uma solução.

PS.: quem quiser ler o texto do trabalho ao qual me referi, encontra-se em: http://150.162.90.250/teses/PSOP0170.pdf