terça-feira, setembro 16, 2003

Sobre as praticas, ocidentais e orientais

Sobre práticas:

Existem em geral, como vivemos num país de maioria cristã, a crença de que estamos aqui para cumprir algum desígnio divino, ou então, recebemos uma missão e precisamos cumrpi-la durante o tempo que permanecemos neste planeta. Quando fala-se em "missão" parece que a palavra nos coloca numa era onde havia destino, onde Deus realmente interfiria na vida das pessoas, a missão jesuítica, os missionários, levar a Boa Nova por ai, parece-me que missão tem algo a ver com uma tarefa superior que deva ser realizada pelo ser humano.

Não tenho oposição a essa crença, minha questão é que dizemos muitas vezes querer "buscar as coisas mais elevadas", "realizar nossa missão no mundo", "amar a mim e a meus irmãos", mas essas frases são ditas de uma maneira, normalmente, tão banal que parece uma idiotice tão grande e algo totalmente sem sentido verdadeiro, parece que grandes valores não são coisas para serem vividas nesse mundo, por exemplo é impensável não sermos consumistas, nem capitalistas (quero dizer que não é permitido pensar dessa outra maneira já que o todo é maior que as partes, a função das partes é se adaptar ao pensamento geral). Não sei de que adianta falar em ideais se não há a mínima vontade de que esses se realizem, cria-se os ideais para de vez enquando haver uma "causa maior" na qual se engajar, quem sabe um voluntariado, uma esmola, algo para aliviar a culpa de não se levar a sério "a missão", afinal parece que é mais interessante obter sucesso na vida por via do acúmulo de bens e status quo do que viver tentando realizar missões por ai.

E engraçado que parece que viver grandes ideais é algo só pensavel em nivel "muito grande", por exemplo, não se pensa que pode-se estar vivendo um grande ideal ao educar bem um filho pra vida, se dedicar com rigor ao casamento e a familia, às relações entre amigos, não, o que importa realmente é distribuir uma quantidade x de cestas básicas, subir o morro, ajudar os pobres, realizar açoes sociais, entendo por ação social, qualquer ação realizada entre seres humanos. Penso que é bem mais complicado se dedicar nas relações aparentemente "simples" e que ocorrem todo dia, do que dedicar-se um dia na semana a subir o morro e distribuir "amor". Porque ao buscar um tipo de prática quotidiana que dê importância a cada relação por mais singela que pareça se está ao mesmo tempo escolhendo um ideal de relação humana que seja válido universalmente, portanto não é apenas um ato singelo, mas sim uma maneira de significar ou atuar no mundo da consciencia dos outros, é uma maneira simples (porém complicada por se tratar de quotidianamente) de ser um missionário.

Quando coordenei por um certo tempo um grupo de jovens no monte verde, eu dizia coisas como: "devemos viver o evangelho dentro das boates, nas festinhas, ao sair daqui, todo o tempo", era motivo de chacota geral, isso causava um certo choque, acabava não entendendo o que afinal essas pessoas queriam dentro de um grupo de jovens de uma igreja. Será que viver um ideal nas pequenas coisas é tão anaceitável assim? Só dá pra viver certos princípios em momentos dedicados a isso? Penso que não, todo momento da vida exige um posicionamento, uma ação, por isso estranho às vezes quando falam de coisas como teoria e prática, porque prática é o que vivemos o dia inteiro desde o momento que acordamos, e teorias são as crenças que estão por trás dessas práticas, portanto vivemos mais na prática que propriamente discutindo as teorias que fundamentam nossas ações no mundo, discutir as teorias significa discutir a prática junto, discutir um conceito é discutir a vida também.

Essa discussão me lembra algo que estou procurando elaborar com cuidado que é a diferença entre oriente e ocidente, talvez eu nunca consiga ter claro isso em mente, mas o esforço é valido, porque diferentemente do "grande" pensador Lair Ribeiro em seu livro "O sucesso não é por acaso", eu penso que o importante não é o resultado, mas sim o processo desenvolvido. Mas o problema que eu vejo com oriente que parece bem simples é a questão do equilibrio (ying-yang), nós ocidentais somos desequilibrados, é tudo ou nada, céu ou inferno. Parece impossível para nós pensarmos então num processo missionário continuo em cada instância da vida durante a vida toda, é mais interessante realizarmos nossas tarefas diárias, semanais, mensais, anuais, e de vez enquando pensarmos em coisas como educação, família, casamento. A educação torna-se preocupação quando se torna problema, senão não, assim também o corpo, a família, parece que toda instância da vida ocidental é assim, nada é equilibrado, tudo é precipicio.

Acabou as aulas não se lê mais um livro não se escreve mais um "A", estou curado posso voltar a comer banha e gordura, estou formado nunca mais vou ler nem me preocupar mais isso, estou casado meu amor está garantido na aliança e na papelada, numa casa própria e um carrinho na garagem, não preciso de mais nada, que gostoso esse doce vamos comer a lata inteira, sou cidadão brasileiro preciso votar pra exercer minha cidadania e deu, nunca mais vou me preocupar em tentar entender os processos políticos nacionais e internacionais, entre outras milhões de situações. Parece que nós não queremos nos sentir "presos" e por isso renuncíamos a certas responsabilidades em nome de um prazer, de uma possível "liberdade", "não quero saber de nada, quero é só viver", "nao quero ter que pensar nisso", só que esse ato de abstar-se de pensar sobre essas coisas e discutir as práticas ou as teorias tem consequencias para toda a sociedade, direta e indiretamente. Não sei como uma nação desequilibrada quer ser budista e consequentemente equilibrada. Sejamos cidadãos em todos os momentos da vida, pais e mães e filhos e amigos em todas as instâncias, sejamos "saudáveis" em todos os momentos, porque afinal não parece ter sentido chegar ao fim da vida depois de 35 anos de duro trabalho pra poder enfim "aproveitar", desfrutar! Isso é no meu entender irracional.