segunda-feira, abril 04, 2005

Até quando se é preguiçoso?

Até quando se é preguiçoso?

Uma coisa que anda me incomodando um pouco e esse problema de saber até quando se é preguiçoso mesmo e até quando o meio em que você está deveria te fornecer as condições adequadas para que você consiga fazer as coisas, consiga se motivar. Porque é muito fácil por toda a culpa nos sujeitos e dizer que eles são livres e autonomos para realizar as tarefas que lhes são dadas. Seria bom que todos desenvolvessem uma autonomia a ponto de depender o mínimo das condições externas e mais de si mesmo. Porém autonomia se desenvolve, não se nasce com ela. É necessário de motivação, é necessário de condições favoráveis pra isso.

Uma pessoa que passa fome, não tem trabalho, não tem como adquirir as coisas tem o direito de não se motivar pra viver. O meio não dá condições adequadas do ser humano buscar seus próprios interesses, dele ser livre. O cara fica ali jogado numa situação de miséria e as pessoas dizendo que ele é preguiçoso, e ainda ficam batendo palma se um ou dois conseguem superar as "adversidades" e chegam a sair daquela situação, ou seja, fazem ele se sentir pior ainda, porque imprimem nele o predicado de preguiçoso, já que outros conseguem, por que ele também não? É engraçado isso, porque nessas horas todos são iguais, mas o discurso politicamente correto sempre diz que todos são diferentes, todos têm seu tempo próprio, sua motivação própria, etc; claro que o exagero desse argumento leva a um problema social caótico, porém não levar nem um pouquinho isso em consideração também leva a uma situação absurda em que as pessoas se sentem horríveis por serem tachadas de vadias, por não terem ânimo de tirar vontade sei lá de onde para superar as "adversidades". Saciadas as condições materiais (que são o mínimo, pois um ser humano sem lazer, sem prazer, poderá não se motivar, e aí culparemos ele? Entendo que delimitar esse mínimo é difícil, mas deveríamos) é mais fácil esperar que as pessoas sejam mais autonomas, mas ainda assim pode ser difícil.

Pra ler e estudar também, até que ponto é responsabilidade dos professores tornar aquilo que os alunos aprendem mais palpável, mais simples de se entender, mais motivador e até que ponto é dever do aluno se motivar, correr atrás, se interessar? É mais fácil sempre jogar a culpa pras instituições que são pagas pra formar os sujeitos, e para se desenvolver essa tal de autonomia as instituições, como são maiores, mais complexas, detentoras de técnicas e de conhecimentos, elas deveriam ser mais responsáveis por isso. Senão não faz sentido professores ganharem 4 mil reais pra cima, não faz sentido bolsas de iniciação científica em que o aluno tem que se virar sozinho, ou trabalhos de conclusão de curso em que o aluno tem que aprender tudo sozinho e por aí vai.

É muito fácil dizer que as pessoas têm que se adaptar, que tudo é uma merda mesmo e se ficarmos aí reclamando nunca iremos pra frente. O argumento do mérito é muito problemático. Eu acho que os alunos têm o dever de ler aquilo que os professores lhes passam, têm o dever de frequentar as aulas, de pensar sobre as coisas que estão aprendendo, porém os professores têm o dever de adquirir uma certa sensibilidade com relação às turmas a ponto e saber se eles estão aprendendo ou não e quais os motivos disso, e quais as maneiras de se solucionar os problemas buscando diálogo. Isso é algo meio simples de se dizer, porém nunca é feito nas aulas.

Da mesma forma as pessoas que vivem em situação de pobreza. É apenas exigido delas que tenham vontade de trabalhar com qualquer coisa, catando lixo, papelão, latinhas, capinando terrenos enormes em troca de umas merrecas, etc. Meu deus, haja motivação para viver uma vida assim, haja Deuses. Exigem demais e possibilitam de menos. E a sociedade não quer saber se a política possibilita ou não, julga como vagabundos que não se adaptaram e cobra deles, exige deles baseando-se nos exemplos de pessoas que conseguiram. É quase uma obrigação moral alguém que se encontra em situação de miséria que seja um super homem, quem sabe depois façam um documentário sobre ele fazendo o resto dos que viviam com essa pessoa se sentirem mal por não serem como ele. Deveriam fazer mais documentários mostrando que a maioria não é assim.

Outro exemplo desse problema da autonomia vs preguiça é essa "doença" atual chamada Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade que é um transtorno neurobiológico, de causas genéticas, que aparece na infância e freqüentemente acompanha o indivíduo por toda a sua vida. Ele se caracteriza por sintomas de desatenção, inquietude e impulsividade. Então como saber até que ponto uma criança/adolescente não quer mesmo aprender, e até que ponto tem esse "problema" que o impossibilita de aprender "Normalmente"? O critério é a ciência quem dará, o parecer dizendo que a pessoa não é malandra virá das maõs de um neurologista. Mas às vezes as fronteiras são muito tênues e aí fica difícil de se determinar se a criança/adoelscente/jovem não aprende por preguiça ou porque é hiperativo mesmo e não consegue se concentrar. Nos USA o remédio chamado de ritalina, "acalma leão", está fazendo sucesso, já que ninguém pode ser visto como preguiçoso, malandro. Enfia remédio goela a baixo, cura todo mundo e põe toda a massa a produzir. A corresponder ao modelo de homem produtivo, motivado, drogado, dopado, etc.

Penso que talvez fosse bom que se exigisse tudo na mesma medida. É exigido que os indivíduos trabalhem, adquiram coisas, estejam sempre motivados, mas em contra-partida deveria ser possível se exigir das agências que possibilitam as coisas que elas fizessem seu papel, cumprissem suas obrigações. Exigir só de um lado não! "Ah isso é sonho, idealismo, quem ficar nessa vai se fuder". Meu deus se isso já se tornou senso-comum então só nos resta esperar o pior.