terça-feira, abril 27, 2004

Educar pra quê?

Educação que me irrita:

Tristeza essa perspectiva que se apresenta pra mim futuro professor de filosofia, estou apavorado, com medo, não sei o que fazer sobre a questão da educação no país. Os otimistas dizem que é possível mudar o mundo basta ter fé, quando chegam nas escolas muitos mais montam trabalhos que mais servem pros seus próprios egos do que realmente mudam a educação. Os pessimistas crêem que é impossível, dada a situação econômico-política, fazer alguma coisa, jovens sem perspectiva de vida que estão lá para bater ponto apenas, ganhar uma bolsa escola, receber um diploma que lhes garanta participar de algum concurso, ou ganhar um emprego que exija um mínimo de estudo.

Sou um guri, tenho 23 anos na cara e realmente não sei o que esperar. A escola será que só reproduz a maneira como a sociedade representa-se a si mesma? Dirão os otimistas que não, claro que não, a escola obviamente é produto de uma sociedade, porém ela não é apenas determinada por essa, ela tem o seu caráter de mudança, de reforma social. Caráter esse que pra mim está cada dia mais obscuro. Vou citar um exemplo pra ficar um pouco mais claro meu medo. Há um tempo atrás aqui em Florianópolis um dos colégios considerados mais fortes, que melhor preparava os estudantes, chamava-se Colégio Catarinense (que aliás continua se chamando assim), nesse colégio os alunos aprendiam cerca de 5 ou 6 idiomas, além de terem aulas de canto, ou piano, violino, no ginásio, entre outros conhecimentos que todos que conhecem um pouco da educação formal mais antiga, do início do século sabem como era. Eram preparados pra vida pública, era um colégio da burguesia claro, entendo isso, formar elites competentes. Hoje nem isso vejo direito aqui pelo Brazil, esse colégio hoje em dia é só mais um no meio a tantos que preparam pro vestibular. Os alunos saem dos colégios sem terem lido os livros mais importantes produzidos pela humanidade, seja em matemática, história, química, física, etc. Português, quantos de nós passou tantos anos aprendendo as questões técnicas de nossas língua para hoje continuar com os mesmos erros? História, como pode alguém formar uma visão de mundo, argumentar, como pode alguém sonhar sem saber da sua própria história? Quem não tem história está perdido no mundo, não tem início, não tem no que fundamentar, nem sabe quais os fundamentos de sua crença, não sabe de onde vêem as verdades que aceita... O que dá pra concluir desse exemplo é a adaptação da escola ao modelo da sociedade, não há uma escola que puxe a sociedade.

Isso é só pra espetar, não quero nem aprofundar demais nos exemplos, porque eu poderia escrever um texto só deles. Entrei na universidade e agora que eu vou notar o quão ignorante eu sou? É brincadeira. De mau gosto por sinal, pois paguei a vida inteira por uma educação de qualidade (paguei duas vezes, os impostos e as freiras) e cheguei a maturidade com uma visão histórica horrivel, geografia meu deus, biologia nem quero pensar, filosofia nem ouvi falar, idiomas inglês pela tevê... Paguei pra ser babaca, que beleza, isso é que dá achar que notas garantem inteligência, é esse o resultado. Uma educação ridícula, 'mas como, só tirei 10 a vida inteira?'. É comum ouvir dizer que as notas não significam nada. Será que não? Nossa vida acadêmica é só notas, somos a nota que tiramos, nosso histórico escolas não quer saber se sabemos de fato um tal conteúdo, ele informa uma nota que numa época da minha vida eu tirei, quer coisa mais estúpida que isso? Isso significa que eu sei? Se eu esquecer o conteúdo eu olho pra nota e lembrarei dele.

Não sei nem como redigir esse texto direito, sempre que falo de educação me vem tanta coisa a mente. Mas o que eu queria dizer é que fico dividido entre o otimismo idiota e o pessimismo imóvel. Como é que um professor sai dessa? Como ele ensina alguém a gostar de ler? Já ouvi dizer coisas como: 'devemos aproveitar a motivação natural do ser humano para aprender', tá tudo bem, aceito isso, mas como se faz com tanta tevê ligada, tanta gente que odeia ler, tanta gente formada por essa educação medíocre? Um ser humano que seja diferente nesse meio será uma bosta. Para alguém aprender é necessário lutar contra toda a estrutura social, nesse sentido o professor é apenas um ácaro sonhador. "Educar é preciso, a educação e a mudança... se cada um fizer a sua parte...". Nem os professores gostam de ler, muitos deles não sabem nem ler, nem interpretar, como é que vão mudar algo, mudar o quê, se nem entendem o que acontece? Se nem sabem interpretar o mundo, os fatos políticos, históricos... Mudar porra nenhuma, tem que mudar essa imagem sonhadora ridicula de achar que vão tranformar a sociedade. Se conseguirmos ao menos entender um pouquinho as coisas e passar isso pros alunos será um bom começo e além disso poderíamos, nós professores, esforçarmo-nos para que os pequenos aprendessem ao menos a ler direito, ou gostar de ler.

Como fazer alguém gostar de ler, tarefa árdua que envolve uma série de pré-conhecimentos? Motivar, motivar, só se fala nisso, não há uma técnica psicológica para fazer as crianças motivarem-se a ler? Não há nenhum estudo sério nesse sentido? Já ouvi propostas como a multidisciplinariedade na leitura de um livro, sim isso parece ser ótimo, a 'contação' de histórias contidas nos livros, pode ser um começo também... A escola deveria colocar sua força basicamente nisso, um aluno que sabe ler e adquire o prazer nas leituras saberá motivar-se. Alguém que começa a gostar de ler, daqui a pouco interesasse pela estrutura de um texto, pelos fatos históricos relatados no texto, pelos costumes trazidos no texto, pela maneira de pensar dos personagens, de defender suas idéias... Tá tudo ali, na leitura, e é o que menos se faz? Bibliotecas ridículas pra todo lado, cheias de livros idiotas de auto-ajuda, livros didáticos que não servem de nada a não ser fragmentar mais as idéias na mente dos leitores, entre outras aberrações, fim a esse tipo de biblioteca. Isso são as bases culturais de nossa nação, porra. Falar isso parece ser elitista. Vou chegar na escola e pensar: 'bom, como eles não sabem ler, nem escrever, nem pensar nunca vou trabalhar esses textos com eles, como eles não fazem tarefas, não gostam disso, disso e daquilo, preciso me adaptar a tudo isso, pra quem sabe um dia, se eles quiserem, se permitirem, eu possa trabalhar um conteúdo".

É essa a escola contemporanea? Rimos tanto da idade média, somos os burros atuais, que repetimos o que os livros de auto-ajuda vendem todo dia, vemos nossos discursos nos livros e achamos que estamos progredindo com relação ao conhecimento. Vemos os nossos diálogos nas novelas e vemos que a nossa vida está de acordo com a da novela, Discutimos as nossas 'leituras' e os 'programas' que vemos com os amigos/amigas e temos a sensaçao maravilhosa que pertencemos de fato a essa sociedade. Esse espelho social é refletido em tudo que 'dá certo'. O que 'dá certo' é o que consegue relacionar-se mais fielmente à realidade. Os livros mais lidos, os filmes mais vistos, os cds mais escutados, os programas de maior audiência, são o reflexo do social. Querer propor outras coisas é idiotice, é gostar de sofrer, gostar de bater de frente com toda uma nação, com toda uma situação histórica que acabou por se configurar dessa maneira e não de outra. Como fazer então, vendo essa realidade como se apresenta, o que há pra fazer? Temos que ir contra ou a favor? Eu acho que o professor não deve ficar nessa de contra ou a favor, acho que ele poderia dar o mínimo de subsídios para que seus alunos pudessem optar por essa ou outra realidade, que só eles poderão construir ou lutar por. O professor está no papel de informar, de construir saberes com seus educandos, de questionar, de ajudar a analisar. Quem vai escolher uma mudança é a sociedade, só ela pode fazer isso. O que me deixa com a pulga atrás da orelha é sonhar com a idéia de que com uma população 'instruída' a luta por uma construção de uma identidade nacional efetivamente nossa parece ser mais próxima, mas sei lá o que eu quero dizer com isso. Só estou procurando uma frase de impacto pra terminar o texto com uma esperança. Que venham os monstros então, vamos ver se eu vou morrer ou não na praia quando as dificuldades aparecerem.